Sobre a variedade de pensamentos que nascem do mundo físico e entram no fantástico através do meu olhar no leste europeu!

Nome:
Local: Recife, Manguetown, Pernambuco, Brazil

domingo, janeiro 16, 2005

Letrinhas matemáticas, conversas incríveis e mulheres desconcertantes

Mais um post sobre a incrível resiliência do menino. Em viagens, descobri que sou a barata, aguento até inverno nuclear (calma, é só porque tenho essa capacidade de passar dois dias sem dormir... várias vezes!)
E dessa vez foi até melhorzinho, como em seguida irei contar.
Como aquele puxa saco eu sendo algum chefe multimilionário, a Romênia não desistia de me bajular apesar da minha partida do país!
Do meu lado senta essa romena muito bonita e simpática. Como se pudesse existir alguma romena que não fosse desse jeito...! Na verdade a coitada não falava muito inglês, mas ela era formada em enfermagem e trabalhava com fast food!

Bom o avião partiu, ao clarear o dia, e eu começava a minha jornada... NO CAMINHO CONTRÁRIO AO QUE TINHA PERCORRIDO! Isso foi um vislumbre que eu tive, estava refazendo toda minha rota pelo alto! E mais, se eu não tivesse perdido o primeiro avião, provavelmente teria feito essa rota toda à noite e não aproveitado nada. É, eu consigo na apelação achar um motivo bom pras coisas! E lá ia eu sobrevoando Salzbourgo, conversando com minha nova amiguinha romena. O avião deveria fazer uma escala em Munique antes de seguir para Atenas.

Mas chegando lá, eu a amiga romena (da qual eu não me lembro o nome... sinto muito né?) Passamos por maus bocados pela enorme distância da plataforma G41 de onde nós descemos... Sim, o aeroporto é tão grande, que passa por todas essas letras do alfabeto e todos esses números! E ainda tivemos que mostrar passaporte para carimbar... Enfim, embarquei no vôo para Atenas cheio de excitação no coração, afinal estava seguindo para aquela terra da qual ouvia sempre falar, desde pequeno, desde quando eu estava em minha outra vida... Outra esta que antecedeu pelo menos umas 10 outras...!

E sentei do lado de um casal de gregos, enquanto os engraçados dos alemães anunciavam pelo rádio: "Ahh, senhores passageiros, sentimos muito mas um de nossos passageiros bebeu além da conta e perdeu sua bagagem... Logo que a encontrarmos daremos início ao nosso vôo" Isso é coisa que se diga? MUITO ESCROTO! Comecei a gostar mais do povo alemão depois dessa. O marido do casal era um cara muito interessante, com pinta de escritor grego. Era um médico de suporte a vida com trauma avançado, especialista em acidentes de carro. E professor da universidade de Patras. Ele me contava como 33% de todas as mortes do mundo são causadas por automóveis... como na alemanha se dirige muito rápido... como eles complicam o trabalho dele! E eu o perguntei, é claro, como era estudar matemática em grego! "Com todas as variáveis, é claro!" sempre quis fazer essa pergunta...! Mulher muito simpática também, ofereceu telefone, endereço e todas essas coisas que essa gente do leste europeu oferece com todo carinho para qualquer estrangeiro com o qual eles se afeiçoem! Pois eu ficava debruçado na janela, esperando o continente helênico chegar. Como será que era? Como eu me sentiria? Estava praticamente em êxtase, e o casal ria da minha cara. John, o marido lia seu livro em grego. E o mar adriático se acabava ao início do mar jônico, brilhando sendo todos do mediterrâneo. Um pequeno barquinho solitário navegava embaixo no meio da vastidão azul, e eu finalmente avistava ela, a cidade da deusa, berço de tudo que é berço origem de tudo. A paisagem pelo olhar, realmente tem a cara e parecia ter sido trabalhada por humanos durante milênios! A terra seca, arbustiva, gasta, ordenada, como se o sertão tivesse sido desbotado e respingado de oliveiras. Sim, elas estão por toda a parte. O lugar era a Grécia sem a menor sombra de dúvidas! E eu tinha chegado no aeroporto, ainda respirando aos jogos Olímpicos.
Peguei minha cruz, e me despedi do casal grego. Segui direto para as informações, e vi que poderia pegar o trem para istambul de 7 horas na Tessalônica, e teria que chegar lá fácil, partindo de Atenas. Recebi um bocado de mapa de graça, e algumas dicas de como chegar na praça Syntagma, horários de barcos para Santorini e ver o museu de arqueologia! Oh yeah. Pegar o ônibus E95 pagando o ticket para o dia todo. É longe viu, até o centro de Atenas, e o trecho me lembrou às vezes a caxangá ou a avenida Recife... Pois fazia tempo que não estava em casa, obviamente! Assim até catei, quando cheguei na praça, um canto para deixar a cruz, mas vi que era mais prático carregá-la até o museu arqueológico. E tinha onde deixar lá.
Alguns museus da europa cobram caro, outros nào têm infra-estrutura, outros não tem desconto para estudantes, outros não tem muita coisa de interessante, e outros, pasmem, não deixam vc entrar e não deixa vc tirar fotos! (merda, ainda estava puto por não ver as obras de Gustav Klimt! Cheguei no dia fechado). O Museu Nacional de Arquologia de Atenas não tinha nenhum desses defeitos. Quando disse que era estudante... "Ah, toma o ingresso... entra de graça!" Po cara, vc não sabe o quanto me fez feliz esse desconto! E foi simplesmente impressionante o lugar. Começando com um hall sobre arte micênica, a própria máscara de Agamenon, toda de ouro. Espadas, colares, todos de fino detalhe, impressionantemente conservados para 3000 anos de idade. Os vasos começaram a aparecer sob a era geométrica, e de outro lado, paralelamente a arte cicládica (das ilhas cicládicas) com seus seres estilizados. A arte e civilização grega começou nas ilhas, e como sou biólogo, não pude deixar de associar com a honrosa teoria da biogeorafia de ilhas, onde a biodiversidade se torna maior de acordo com o tamanho das ilhas... Assim Creta ganhou o posto mais alto, e de maior "etnodiversidade"... Foi a base de toda a cultura helênica e consequentemente, da ocidental. Será que foi lá que surgiram os primeiros "Reis" propriamente ditos?
Enquanto passava de sala em sala podia observar como mudavam as esculturas, como ficavam mais aproximadas dos seres humanos. De outro lado, tinha um pedaço de cerâmica muito significativo, sendo o mais antigo com caracteres gregos "E o prêmio vai para..." tinha escrito. Provavelmente era uma competição de dança, dizia a legenda. Incrível como, de acordo com John Andropoulakis, o grego do avião, qualquer grego de hoje poderia teoricamente se comunicar com um grego da época de Homero na escrita. A língua falada provavelmente adquiriu uma pronúncia diferente, mas é impressionante saber que é uma das línguas mais longevivas da história. As estátuas por sua vez estavam se aprimorando, até que chegamos na era clássica de Péricles.
A perfeição era impressionate. A delicadeza fazia as estátuas parecerem terem sido feitas de isopor, eram deuses muito bem representados pela forma humana. Tinha umas lá muito clássicas, uma de Zeus posando e aquela do lançamento do disco, famosíssima tb. O incrível era que nós, vivos, nào poderíamos posar para foto. Nem posar!
Uma exposição temporária estava aberta aos visitantes, a AGON, o espírito dos jogos. Competir, na Grécia antiga significava basicamente lutar contra si mesmo para evolução própria. O ajuntamento de vários atletas durante os jogos somente serviria como exibição, e uma motivação extra, além de honrar aos próprios deuses.
Um dos pedaços mais incríveis de cerâmica que eu já vi na minha vida, foi aquele mais antigo que continha palavras em grego. Datava de mais de 2000 a.C. e trazia como inscrição algo do tipo "...por honra ao mérito neste concurso de dança". É meio aleatório ser este o tema das palavras gregas mais antigas que sobreviveram, ainda assim é curioso, uma coisa que certamente encheria a dançarina da minha irmã de orgulho...
Ainda na exposição AGON, me deparei com três estátuas de Hipólita, a rainha das amazonas ferida mortalmente por Aquiles na guerra de Tróia. Naqueles tempos, jogos olímpicos também incluíam disputas artísticas, como música, pintura, oratória e poesia. Neste caso, o tema teria sido dado para o concurso de melhor escultura. Ao contornar uma das estátuas percebi que a sua sombra projetava uma figura de desespero grotesco, que contrastava com a suavidade da dor da própria estátua. Era como se ela tivesse alma ou algo do tipo... Tirei uma das fotos mais peculiares da minha vida ali mesmo!
E tava na hora de sair, ao ser expulso pelo guarda no final da tarde. Para pegar minha mochilona, a velhinha simpática do guardador estava só me esperando. E os dedos róseos do crepúsculo grego enquanto eu descia pela estação de OMNIA em direção à estação Larissa, via norte, via Tessalônica, onde eu pegaria meu trem rumo à Ásia.
Depois de um sanduíche e de esperar um pouco, hora de entrar no trem das 21:00 para a Tessalônica, chegando às 2 e partindo às 7... 5 horas de espera....
Mas ao entrar no trem e me sentar, lugar aleatório, chega uma garota aleatória, tentando por uma mala no bagageiro, e eu para ajudá-la. Era simplesmente linda, com olhos cinzas de Laetitia Casta... Ah estas mulheres do mediterrâneo... qual foi a minha surpresa quando ela falou comigo, e em inglês, e a conversa rolou, e que ela falava francês tb, e que estudava direito ("PINIKO" em grego... :D), e que gostava de basquete... É, foi um papo muito legal, uma vista muito legal, e gente boa! Tanto que eu foi descer na cidade dela (calma! Pq o trem pra Istambul passa por lá também!).

E pegar o trem depois de 5 horas esperando... Às 11 da manhã....!!! Cidade de Komotini! Região da Trácia! Cara, incrível ler meu livro de mitos gregos e encontrar referências para o lugar onde eu estava. Onde nasceu o carneiro do velocino de ouro! Indescritível...